top of page
carnaval.jpg

A IDADE MÉDIA OCIDENTAL E OS MODELOS DO ORIENTE

AS OBRAS DE GEORGE R. R. MARTIN NA CRIAÇÃO DO IMAGINÁRIO COLETIVO DA IDADE MÉDIA

Por Felipe Matheus Bento de Souza

(Graduando do Curso de História da UFR)

Durante anos o imaginário coletivo da Idade Média e dos seres místicos, reais e fantasiosos do período foram preenchidos por bestiários. Em uma rápida definição sobre essas obras singulares, elas foram de grande valia no contexto de literatura na Idade Média visto que era uma espécie de enciclopédia dos seres. Nesses livros descreviam-se várias espécies de animais, fossem eles existentes ou não.

O bestiário se baseava em torno de descrições que narravam várias espécies animalescas com os propósitos morais de informar ou controlar o imaginário coletivo e, obviamente, também tinham objetivos didáticos para elucidar o conhecimento sobre linhagens e origens. Dessa forma, neles continham duas descrições, na primeira era no sentido literal eles descreviam formas, tamanho, cores e detalhes, já na segunda era descrito a sua interpretação moralizadora e a interpretação "científica" da espécie.

Essas obras agiram como um catalisador para o pensamento medievo visto que essas coletâneas eram utilizadas como material de estudo para muitas ordens cristãs. Isso nos remete à moldagem do imaginário coletivo de sociedades que eram “regidas” pela igreja na idade média. Apesar de serem descrições muitas vezes precisas, também eram fantasiosas em alguns aspectos e essas coletâneas obtiveram um determinado êxito no papel de promover a narrativa e imaginário coletivo individual da sociedade medieval.Os bestiários, assim como outras obras da literatura medieval, serviram como incentivo para diversos autores sobre as fantasias medievais, autores que desenvolveram seus próprios universos ricos de criaturas, bestas, animais, humanoides, magias, raças e classes. Essa Influência despertou um efeito cascata, nos séculos XX e XXI, em autores que contribuíram para a criação de um pensamento e imaginário na sociedade atual sobre a idade média e suas características.

Rhaenyra_Throne_Hristo_Chukov.jpg

Imagem disponível em https://wiki.geloefogo.com/

index.php/Arquivo:Rhaenyra_Throne_Hristo_Chukov.jpg

Podemos citar os renomados nomes de Walter Scott, Bernard Cornwell e o icônico J. R. R. Tolkien, os quais elaboraram uma base para que George R. R. Martin criasse as Crônicas de Gelo e Fogo, série de livros que ganhou um grande reconhecimento e crítica dos amantes da Idade Média e que, posteriormente, ganhou também adaptações audiovisuais, juntamente com jogos eletrônicos, reforçando ainda mais o imaginário coletivo do século XXI sobre a Idade Média.

George Raymond Richard Martin, também chamado de “o Tolkien americano”, nasceu em 20 de setembro de 1948 em Bayonne, Nova Jersey. Primogênito do casal Raymond Collins Martin e Margaret Martin (que tiveram mais tarde mais duas filhas, Darleen e Janet) e de origem muito humilde, sendo seu pai um estivador e sua mãe uma doméstica, habitou durante anos residências populares ofertadas pelo governo local à população carente, principalmente imigrantes europeus que se exilaram por conta da Segunda Guerra Mundial, visto que seu pai tem a origem francesa e irlandesa e sua mãe, alemã, britânica e italiana.

Desde muito novo, ele tinha grande estima pela leitura, incentivado pelos quadrinhos de super-heróis. É dito que em 1968, em uma edição de Quarteto Fantástico, foi lhe creditado uma nota que escreveu ao editor, o que certamente o inspirou mais ainda. Já em 1970, recebeu seu diploma em Jornalismo pela Universidade de Northwestern e apenas um ano depois o jovem Martin completou seu mestrado na mesma área. Além de escritor, no começo da sua carreira, o jovem Martin se destacou por escrever roteiros, produzir novelas e também como editor de livros, especialmente por sua supervisão da série de livros Wild Cards. Apesar do começo não muito promissor na escrita de obras literárias, tendo histórias sendo recusadas mais de 40 vezes em revistas diferentes, em 1991 ele volta a escrever produzindo a fantasia medieval As crônicas de Gelo e Fogo, aquela que viria a se tornar a sua magnum opus, notavelmente inspirada na Guerra das Rosas, Guerra dos Cem Anos, e em Ivanhoé.

Em 1996, as crônicas foram publicadas com o intuito de ser apenas uma trilogia, porém o sucesso eminente o fez a estender a série para 7 livros extensos, com uma variação de 500 a 1000 páginas cada. Com o enorme sucesso entre o público adulto-juvenil, em 2007 a HBO comprou os direitos para televisão com a finalidade de produzir a série que se tornaria uma das mais premiadas da atualidade. Com tal visibilidade, a criação de Martin se tornou um grande referencial audiovisual para aqueles que buscam conhecer os traços da Idade Média, bem como nos dá indícios do imaginário coletivo do século XXI a respeito período medieval.

O imaginário coletivo da sociedade entusiasta sobre a Idade Média no século XXI se deve muito às contribuições literárias e audiovisuais de George R. R. Martin. Suas coletâneas possuem inúmeras temáticas que têm seus graus de asserção nos conteúdos descritos por ele em suas obras. Essas temáticas se referem à sistemas complexos da sociedade medieval, explorando temas de grande importância para o auxílio de estudos nas áreas medievais, tais como: relações de suserania e vassalagem; relações de poder entre reinos rivais; as estradas e as viagens, “bárbaros” do Norte; inquisição; paganismo; escravização; magia; dragões e fantasias. É claro que as personagens descritas por Martin também têm suas complexidades, porém um grande destaque para se ressaltar nos livros são as descrições densas e os minuciosos detalhes sobre paisagens, arquiteturas de grandes castelos, de cidades-estados estruturadas em volta de portos e montanhas, e, é claro, de grandes monumentos. Essas descrições precisas conseguem transmitir a imagem coletiva e individual de como servos, príncipes, rei e rainhas viviam, serviam e morriam nesses espaços complexos de sobrevivência.

Outra experiência que Martin explorou com grande êxito e maestria foi, sem dúvidas, as batalhas e guerras que aconteciam naquela era, nas quais os reinos possuíam uma relação de Monarquia Feudal de provável expansão. As guerras assim como já foi elucidado em diversas literaturas, não só as de Martin, faziam parte do cotidiano natural do sistema medieval. Trabalhando na parte literária, Martin sempre descrevia com detalhes as batalhas, posicionamento de combates e a estruturação de exércitos com relação a invasão de tropas que trariam destruição.

As temáticas e premissas encontradas no cerne das obras de Martin vão além das interpretações superficiais, evidentes e o inverno é retratado como um inimigo sobrenatural. De certa forma, essa força da natureza era isso, pois as sociedades retratadas pelo autor historicamente são europeias onde o frio é mais rígido, recorrente e de forma brutal o inverno era o maior inimigo, além das guerras para as comunidades rurais e plebeia. Esse inimigo significava uma incomparável e enorme perda tanto relacionada à existência, quanto à coexistência, visto que se perdiam colheitas e animais para o frio acarretando um enorme efeito cascata até a morte iminente.

Entre outras abordagens, Martin traz reflexões em suas obras sobre as tradições familiares, apontando como uma das principais personificações do imaginário coletivo da Idade Média, sendo elas sociedades muito personalistas, fazendo o contato humano muito estimado. Isso aponta o porquê de que reinos e casas serem enormes valores ligados à honra. Assim, ganha destaque o simbolismo de cada casa nos estandartes mostrados em suas obras, bem como o papel dos casamentos arranjados entre as famílias. Outro fator a se destacar são os crimes contra a honra das relações de poder e, provavelmente, influenciados pelo ego ferido. Nesses casamentos arranjados, quando há a dissolução sem motivo justificado, a legitimidade de um descendente era questionada, assim como a existência de um filho fora do matrimônio, o que poderia resultar na instauração de guerras.

Sem dúvidas George R. R. Martin nos entregou, e entrega até a atualidade, obras com graus de objetividade e subjetividade interessantes para leitores leigos sobre a Idade Média, comunicando se facilmente tanto com o público acadêmico como com um público mais amplo. Ao mesmo tempo, o autor consegue manter o foco de suas obras em temas delicados e complexos, atendendo os objetivos de conquistar novos pesquisadores sobre a Idade Média. Suas obras, como figuras de linguagem literária e audiovisual, conseguem se comunicar de diversas formas com diversos grupos, seja na criação de uma língua fictícia, seja nas abordagens de sociedades isoladas da “urbanidade”, entre outras formas. Evidentemente trata-se de uma obra de ficção que traz nas suas entrelinhas elementos do medievo, mas é fato de que ela nos possibilita pensar a respeito desse período histórico e, especialmente, nos faz refletir sobre a forma como determinados imaginários povoam o nosso cotidiano. Eis uma ótima oportunidade de despertar, nos estudantes do ensino básico, o interesse pela leitura e pela História.

​

Referências

​

CARDOSO, Franciely Gonçalves. Cultura de massa e recepção: os movimentos interpretativos de O mundo de gelo e fogo de George RR Martin. 2020. Tese (Doutorado em Literatura) – Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.

​

CORREA, Murilo Filgueiras. Jogando o jogo dos tronos: ruptura e inovação na obra de George RR Martin. 2015. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2015.

​

MARTIN, George R. R. A guerra dos tronos. São Paulo: Leya, 2013. 7v.

bottom of page